A produção legislativa do Congresso Nacional em 2011
Diversas pesquisas na América Latina – como as do Instituto Latinobarometro - tem constatado uma expressiva desconfiança da população em relação aos políticos, partidos políticos e aos respectivos Congressos. Essa desconfiança, no entanto, não se restringe à América Latina. Luis Felipe Miguel no artigo “A mídia e o declínio da confiança na política” inicia comentando uma frase de Voltaire segundo o qual ”A política tem a sua fonte antes na perversidade do que na grandeza do espírito humano” e diz “As pessoas não confiam nos políticos. A frase de Voltaire (...) se aproxima do senso comum do século XXI. Os integrantes da elite política, os que ocupam ou almejam os cargos de poder da estrutura de Estado, são vistos como autointeressados, oportunistas, inconfiáveis, desprovidos de princípios, egoístas e mesmo corruptos. Na atividade política, encontram vantagens pessoais, prebendas, mordomias. Um fosso os separa dos cidadãos comuns, que vivem do próprio trabalho e enfrentam as dificuldades do dia a dia”. E “esta percepção negativa dos políticos está presente, em diferentes graus, em países ricos e pobres, em velhas e novas democracias”.
No caso da pesquisa do Latinobarometro quando perguntado “se pode haver democracia sem partidos políticos e sem Congresso Nacional”, no Brasil, a maioria dos entrevistados respondeu que sim e o país apresentou um dos maiores índices de rejeição aos partidos e congresso, superado apenas pelo Equador (57% e 60% respectivamente).
As pesquisas também mostram como há uma crescente adesão aos valores democráticos (inclusive no Brasil) o que para Robert Dahl se constitui num paradoxo (que ele chama de “paradoxo democrático”, ou seja, cidadãos que combinam uma crescente adesão aos valores da democracia política a uma também crescente desconfiança nos seus mecanismos institucionais (partidos, parlamentos etc.) (Robert Dahl, A Democratic Paradox? Political Science Quartely, vol CXV, n.1, 2000).
No caso específico da rejeição aos partidos e ao parlamento no Brasil, é possível que a avaliação negativa tenha relação com a forma como suas respectivas atuações chegam à opinião pública? A mídia contribui para essa desqualificação? Para Mauro Porto o rechaço à política e suas instituições é resultado de um componente claramente antipolítico dos meios de comunicação e que “não se restringe apenas a cobertura noticiosa”. Para ele “a antipolítica tem um aspecto particular: uma atitude antiinstitucional e que “esta atitude nas quais jornais, radiodifusão e televisão cobrem o funcionamento das principais instituições políticas e entre elas o Poder Legislativo (alvo predileto das críticas) “não contribui para uma avaliação adequada sobre seu funcionamento e desempenho”.
Analisando a produção legislativa de 2011, Antonio Augusto Queiroz, diretor da Diap, faz um balanço positivo “apesar da descrença no Congresso e nas instituições por forças das constantes denúncias de corrupção”. Segundo ele “a imprensa, a julgar pelo sentimento e pelo nível de informação da população, tem priorizado a denuncia em detrimento do debate sobre a qualidade e conteúdo das políticas públicas formuladas e aprovadas pelos poderes Executivos e Legislativos” (Revista consultor Jurídico, 15/12/2011).
No entanto, o problema não está apenas na cobertura “enviesada” da mídia, mas no próprio desempenho do Congresso. Analisando o conjunto das leis aprovadas em 2011, o que se constata, entre outros aspectos, é a irrelevância de muitas leis aprovadas, a demora na aprovação de leis (muitas ficaram anos para serem aprovadas e outras nem sequer foram votadas), as denúncias de corrupção envolvendo parlamentares etc.
Outro aspecto que se constata ao longo dos anos, mesmo considerando os governos pós-ditadura militar, de José Sarney ao primeiro ano do governo de Dilma Rousseff, é a presença avassaladora do Executivo na produção legislativa. No governo Lula, apenas nos anos 2009 e 2010 a produção do Legislativo foi superior a do Executivo. Em 2011 foram promulgadas 212 leis, sendo 128 de iniciativa do Executivo e 84 do Legislativo (64 dos deputados federais e 20 dos senadores). É importante salientar que, conforme dados de Antonio Augusto Queiroz, no citado artigo, até o dia 10 de dezembro de 2011, já tinham sido aprovadas 166 leis, sendo 76 do Congresso e 70 do Executivo. Em 20 dias, o Executivo promulgou mais de 50 leis. O predomínio do Executivo não é apenas no plano federal, mas, também no plano municipal e estadual.
Analisando as leis aprovadas em 2011 no Congresso Nacional só de denominações, reconhecimento e datas comemorativas foram mais de 50. Entre as leis aprovadas que dificilmente poderíamos classificar como relevantes estão, entre outras, as que declaram Nilo Peçanha patrono da educação profissional e tecnológica; a que institui 2011 como o ano da Holanda no Brasil; a que cria o Dia Nacional do Calcário Agrícola; o Dia Nacional do Empresário Contábil; o Dia Nacional da Conscientização Sobre as Mudanças Climáticas; o Dia Nacional do Extensionismo Rural; o Dia do Distribuidor de Insumos Agrícolas e Veterinário e o Dia Nacional da Aqüicultura. Foram aprovadas também leis conferem ao município de Barretos (SP) o titulo de Capital Nacional do Rodeio, a Taubaté (SP) como Capital Nacional da Literatura Infantil, Ilhabela (SP) como Capital Nacional da Vela e Holambra (SP) como Capital Nacional das Flores.
Outras leis aprovadas foram de homenagens a (muitas) pessoas com nome de viadutos e rodovias, a que estabelece critérios mínimos para outorga de títulos de patrono ou patrona, assim como as que inscrevem no livro Heróis da Pátria, entre outros, Heitor Villa-Lobos, Barão de Rio Branco e os seringueiros chamados de “soldados da borracha”.
Em relação à aprovação de leis mais importantes, embora minoritárias no conjunto, pode-se destacar as leis sobre a Política Permanente de Recuperação do Salário Mínimo; a da Política de Atualização da Tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física; a do Programa de Inclusão Digital; do Cadastro Positivo; a lei Geral de Acesso à informação e a da Comissão da Verdade.
Considerado em seu conjunto, ao que parece, predominou a irrelevância. Como afirma André Leandro Barbi de Souza numa análise sobre a produção legislativa do Congresso Nacional em 2011 “São muitos os elementos de análise (...) mas o certo é que o Parlamento Federal, em 2011, mais uma vez não se justificou, em termos legislativos, para a sociedade e, com isso, o cidadão continua sem perceber a importância institucional democrática do parlamento federal”.